Pitty fala sobre Rita Lee
" - Como você vê a influência da Rita Lee no rock nacional? Não apenas na música, mas também em atitude. Sabemos que ela é rock n’ roll, mas aquele rock n’ roll mais espírito livre e menos destrutivo, embora ela já tenha admitido problema com álcool etc.
Pitty: Ela foi pioneira nessa questão de trazer as mulheres à tona na música de forma mais livre, quebrou muitos paradigmas ao longo do tempo. A existência de Rita comprova uma teoria minha, de que rock é muito mais estilo de vida e postura do que somente o rótulo pra se vender um disco. Porque veja, Rita começou com o experimentalismo e a miscelânea dos Mutantes, ficou mais rock n’ roll ali no Tutti Frutti e depois enveredou pra um lado mais de canção, quase MPB. Mas nunca, em tempo algum, deixou de ser vista como ícone roqueiro no Brasil, e isso se deve totalmente ao seu posicionamento e discurso. A alma dela é libertária, seus pensamentos são vanguardistas, e isso é que é ser rock.
Ela chutou a porta do barraco, arrombou os portões do convencionalismo e permitiu que todas nós pudéssemos dar uma voltinha por lá, tempos depois. Se hoje ainda vivemos numa sociedade muito patriarcal e machista – e volta e meia sinto isso na pele – imagino o rebuliço que ela causava quando começou. Ela deve ter precisado de muita coragem. Deve ter escutado muita gente dizer não, deve ter enfrentado dilemas que só ela mesma sabe. E acho que no fundo estava só buscando ser feliz e encontrar pelo caminho seus iguais; não devia ter consciência, à época, de que estava construindo um capítulo tão fundamental pra história da música e para as mulheres no rock. Uma cena muito marcante na minha cabeça: ela vestida de noiva grávida com os Mutantes, em 1969, se não me engano. Essa imagem é emblemática porque mexe com vários tabus de uma só vez. A mulher que sobe ao palco exibindo o símbolo máximo de feminilidade (o poder de gerar), que se casa de branco mesmo não sendo mais virgem. E ainda me aparece com um bebê negro no final, pra botar lenha na fogueira do preconceito racial.
- Qual a influência dela diretamente na sua música, na sua carreira e em como faz o rock n’ roll?
Ouço Rita desde criança. Quando bem pequena, me encantei com um compacto duplo de 1979, que tinha a música “Maria Mole”. Me acabava de rir com a parte “Não faz força nem pra soltar pum”. Fui crescendo – e minha mãe tinha tudo dela – e continuei ouvindo. O “Rita Lee”, de 1980, escutei quase até furar, amava tanto aquele disco. Mas estes eram dos meus pais, e como sabiam que eu adorava, finalmente no Natal de 83 ganhei meu primeiro vinil: “Rita Lee e Roberto de Carvalho”. Lembro até hoje da sensação de abrir o pacote. Na adolescência, já pesquisando música e com ganas de montar banda, conheci o passado dela com os Mutantes. Mas caí de joelhos mesmo com “Fruto Proibido”, dela já no Tutti Frutti, até hoje meu disco predileto de toda sua discografia.
Entrevista retirada de: Crônico